EDITORIAL
Os reiterados ataques dos promotores e procuradores de extrema direita à cultura e à arte comprovam o poder das manifestações artísticas e culturais na construção de um Brasil democrático.
Nos dias 29 e 30/11, acontecerá em Brasília o “1º Congresso Nacional do MP Pró-Sociedade”, organizado por promotores e procuradores de extrema direita e partidários de Jair Bolsonaro. Em sua programação, notamos um interesse especial à cultura e à arte brasileira. O evento é da FESMPDFT, instituição de ensino ligada ao Ministério Público.
Dois painéis serão dedicados exclusivamente a divulgar uma visão conservadora e ultrapassada da arte e da cultura. O primeiro, intitulado “pornografia infantil X arte. Manifestação cultural ou crime?” tenta dar fôlego à falsa narrativa de que existe correlação entre manifestações culturais que se utilizam da nudez com a pornografia. O uso do corpo nu na arte remonta à tempos imemoriais, sendo reprimido em poucos períodos históricos, notadamente durante a idade média. Este factoide, de que as manifestações artísticas estimulam a “sexualidade precoce” foi amplamente utilizado por candidatos durante as eleições, e será defendido no painel pelo Procurador Regional da República, Guilherme Schelb. Guilherme é cotado, inclusive, para ser ministro da educação do novo governo. Segundo fontes, sua indicação serve para “agradar setores mais conservadores da bancada evangélica”.
O segundo painel a se debruçar sobre a arte tem como título “Se tudo é arte: então nada é arte: (sic) A importância da tradição ocidental e indagações sobre a relativização da arte e da alta cultura como um caminho para o pior…(sic)” . O palestrante, Adriano Alves-Marreiros é um promotor de Justiça Militar que não possui nenhuma produção sobre cultura ou arte. É necessário ressaltar que questionamentos conceituais acerca da arte contemporânea são sempre saudáveis, desde que busquemos respostas em produções sérias e autores de credibilidade.
À luz do consenso teórico, esta suposta “banalização da arte” apenas subsiste em discursos partidários e radicais. Não cabe ao Observatório Nacional da Cultura, apesar de contar com assessoria acadêmica, participar deste debate. Cabe, sim, relembrar aos participantes deste evento que este tipo de pensamento não é contemporâneo, não é científico e seria ridicularizado em qualquer cátedra da “tradição ocidental” por eles defendida. Este desdém pelo conhecimento fica claro na formação do quadro de palestrantes. Todos são afinados ideologicamente, abolindo na prática a realização de um debate sério e do contraditório, conceitos tão caros ao pensamento.
O ONC sempre primou pela liberdade institucional e pedagógica das instituições de ensino. Sabendo disso, considera natural um evento partidário ser realizado por uma escola, como é a Fundação Escola Superior do Ministério Público do DF e Territórios. Contrários a isto são os defensores do Escola Sem Partido, que, ironicamente, farão duas palestras no evento.
Observatório Nacional da Cultura
Na imagem, “David”, de Michelangelo do ano 1501.